segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

PERDEU A VISÃO? Seu Manual Básico para Cegos Iniciantes está aqui!!!


Por: Débora Rossini

Todos os dias, em diversas partes do mundo, milhares de pessoas acabam perdendo a visão -seja parcial ou totalmente. As razões são diversas: desde doenças congênitas, que se manifestam depois de vários anos, até causas não-naturais - como acidentes, por exemplo.

Claro que o fato de uma pessoa ficar com a potência visual reduzida ou nula “mexe” bastante com o emocional dela... e COMO!!!!!! Imagina a sensação de tentar se organizar mentalmente, para o fato de ter de aprender a fazer as coisas de outra forma, usando os sentidos remanescentes, (através de cursos de reabilitação)? Ou mesmo de ter de deixar de fazer coisas de que gostava (ex: dirigir, desenhar, pilotar motos, etc)? Realmente, é um momento delicado na vida de alguém que acaba entrando para o mundo dos que têm falta de potência visual. Mas isso não significa que a pessoa tem de entrar num casulinho e dar “tchau” para o mundo lá fora, passando a ficar só de pijama o dia inteiro dentro de casa dormindo ou ouvindo rádio!!! Se você, leitor, faz parte da turma que enxergava e que passou a não poder contar mais com a potência dos “zôio”, vá lendo ou ouvindo este texto até o fim!

Por estes dias, vi no blog do Jairo Marques um mini-guia com dicas para quem se tornou cadeirante. Achei muito legal a ideia dele... pois foi escrito de uma forma didática, descontraída, leve e fácil de entender – principalmente para o público-alvo do texto dele, que são pessoas que estão ávidas por instruções para seguirem com suas vidas - apesar do “contratempo com o aparelho locomotor”! Inspirando na ideia dele, resolvi fazer algo parecido aqui no “Sopa”- ou seja, um manual básico para quem se tornou deficiente visual! ;-) Ó, já vou avisando: aqui neste blog não tem espaço para depressão não, rerrerré! A forma bem-humorada de escrever sobre algo que - a princípio- bota pra baixo qualquer pessoa que tá com situação oftalmológica “complicada” é, justamente, para descontrair tais pessoas … e mostrar-lhes que há vida, sim, após um diagnóstico oftalmológico pra lá de chato! Então, segue-se o “Guia do Calouro no Mundo Não-Visual!!!”

Para facilitar a leitura, vou fazer o texto no formato de “Perguntas & Respostas”, ok? Imagino que as perguntas formuladas abaixo são aquelas que, por coincidência, são as mais frequentes na galera que perdeu ou tá perdendo a visão... e que é o público-alvo deste post!


1-“É verdade que, daqui pra frente, posso me considerar um coitadinho(a), que vai ficar em casa só de pijama, sem poder estudar ou trabalhar, e que a única opção de ganhar algum dinheiro é com o benefício do governo?”

Que nada, meu filho! Hoje em dia, com o tantão de leis relativas à Inclusão e Acessibilidade, pessoas com deficiência – incluindo a visual!- podem trabalhar e estudar! Hoje há diversas tecnologias assistivas destinadas a dar uma mãozinha para pessoas como você! Já falei de várias delas aqui no “Sopa”, e a galera lá do site Movimento Livre também “manda” muito bem no assunto. Vale a pena ler, usando recursos de ampliação e/ou leitor eletrônico de telas! Caso você ainda não tenha feito curso de Informática específico para deficientes visuais, peça alguém para ir lendo o conteúdo do site para você. Tenho certeza de que sua “animação” vai aparecer e, gradativamente, irá aumentar!!!
Quer um exemplo de pessoa com deficiência visual, adquirida depois de adulto, e que mesmo assim foi “tocando sua vida” normalmente? Clique aqui!!!

2-“Tô numa'deprê' geral... não quero saber desses 'blá-blá-blá' de Tecnologias Assistivas, nem de Braille, e nem de reabilitação. Quero meus olhos funcionando direitinho, de volta, pô ! O pior é que já fui em vários médicos e todos dizem que meu caso é irreversível...! ”

Especialistas em comportamento humano afirmam que, em situações de perda visual (e de outros tipos de perda também!), há três fases que a pessoa vivencia. A primeira é chamada de “luto” ou não-aceitação (como a mostrada na afirmação acima); e é frequente sobretudo quando a perda da visão é repentina e a pessoa não estava preparada para ela (ex: em caso de acidente, alergia grave, intoxicação, etc.). A fase seguinte é aquela na qual a pessoa agarra-se a toda e qualquer possibilidade de cura, mesmo “milagrosa”, para o problema dela, botando esperanças em algo que pode não ser possível de se concretizar. Já na próxima, a pessoa “amadureceu” mais suas emoções envolvidas no processo de perda visual – e tem mais maturidade para lidar com os desafios da sua “nova vida”. Quando a pessoa já “se aceita”, fica mais fácil para ela fazer novas descobertas no interessante mundo da Orientação & Mobilidade (embora algumas pessoas com baixa visão não cheguem a necessitar fazer esse curso), da Informática Adaptada, do Braille... Aos poucos, virão novas descobertas: a de poder utilizar os sentidos remanescentes, por treino, para compensar o déficit visual... a de desenvolver habilidades de orientação espacial... a de aguçar inclusive sua capacidade de memória (fácil entender o porquê: você não terá papelzinho com tudo escrito para você a qualquer hora; portanto, vai, por treino, desenvolver sua memória um tantão!!! ) Rerrerré!!! E se você for uma pessoa extrovertida, vai acabar aprendendo também a fazer “piadas de cego” com sua própria condição, com o intuito de descontrair as pessoas normovisuais à sua volta – que, por sua vez, perceberão que você tem senso de humor, e que acabarão por querer fazer amizades com você!!!

3-“O que significa cada um dos cursos mencionados no parágrafo anterior?
O curso de Orientação e Mobilidade é o curso que se faz para aprender a andar com a bengala-branca. Ou você pensou que é só comprar uma bengala e sair batendo por aí, sem técnica nenhuma? Rerrerré! Assim como existem cursos para aprender a andar de carro, de moto, existem cursos para aprender a andar com a bengala!!!! (A diferença é que você não precisa ter carteira para sair por aí com a varinha branca... rerrerré!) A finalidade de tal curso é aprender a se deslocar com o apetrecho, usando técnicas de orientação espacial adequadas, a fim de evitar ficar perdido por aí ou de sofrer acidentes desnecessários.

Já o curso de Informática Adaptada a cegos é para você aprender a utilizar os softwares de leitura e ampliação de telas. Tais softwares requerem o aprendizado de teclas de atalho e de navegação, que são utilizadas para diversos comandos... afinal, quem não enxerga não vai ter condições de utilizar o mouse, certo?

Curso de Braille: o nome diz tudo , né? Através de técnicas adequadas, a pessoa aprende a estimular seu tato para aprender a ler em alto-relevo. Também aprende a escrever no referido sistema, através da “dupla dinâmica” constituída pela regléte e pelo punção. Pode também aprender a escrever na máquina de datilografia Braille (a máquina Pérkins é a mais conhecida).

Tem também um curso chamado de AVD (“Atividades da Vida Diária”), cuja finalidade é capacitar a pessoa com deficiência visual a ser independente e autônoma para fazer tarefas domésticas, pequenas obrigações, vestir-se e alimentar-se, etc. (Obs.: nem todo deficiente visual necessita fazer esse curso; geralmente, quem tem baixa visão consegue reaprender a fazer tarefas do cotidiano sem precisar de treinamento formal. Mas, para cegos “completos”, é interessante ver o que esse curso pode proporcionar!)


4-“Vou aprender Braille rapidão, para ser um devorador/a de livros?”

Isso varia de uma pessoa para outra. Tem gente que aprende mais rápido, tem gente que demora um pouco mais. As variáveis a serem consideradas são diversas: idade em que se perdeu a visão; condições gerais de saúde (sim!!! Quem é cego e tem diabetes tem seu tato, infelizmente, DIMINUÍDO justamente por causa da diabetes!); fatores psicológicos; dentre outros.

5-“Pode acontecer de algum estabelecimento de ensino se recusar a me aceitar só porque sou 'ceguetinha', alegando que não tem condições nem infra-estrutura de me receber?”

É LEI, meu amigo: TODA instituição de ensino – seja pública ou particular, independentemente de ser de educação básica, média ou superior- TEM DE aceitar o aluno, independentemente de ele atender ao “padrão de normalidade física” ou não!!!! Caso alguma instituição de ensino recuse sua matrícula, não pense duas vezes: procure orientação jurídica e faça a Lei da Educação Inclusiva valer: é DIREITO SEU estudar onde você quiser!!!

6-“Qual o 'Kit Básico de Sobrevivência Escolar' para um deficiente visual?”
É necessário que você possua a “dupla” reglete + punção, que são os apetrechos de escrita manual Braille, e que são IMENSAMENTE mais baratos que a máquina datilográfica Braille (o preço dela dá pra comprar uns 5 computadores, só para você ter uma ideia!) … são ideais para você tomar notas rápidas, além de etiquetar objetos como pastas, CD, etc. Também é bom ter um computador com leitor/ampliador de telas, para você fazer seus trabalhos escolares e acadêmicos, além de dispositivos móveis de armazenamento de dados (CD, pen-drive, etc). É bom que tenha também um minigravador (um tocador de mp3 simples já ajuda!), pois há casos em que um leitor de telas não faz a leitura correta de um texto... e, aí, na hora do aperto, um leitor “humano” lendo um texto em voz alta e gravando ajuda muito!!!

Já a instituição de ensino, por sua vez, deve possuir monitores e/ou tutores de auxílio ao professor, a fim de te dar aquela mãozinha na transcrição e leitura de textos, de auxílio em tarefas acadêmicas, de ser o mediador entre você e o professor... Além disso, audiolivros e livros em Braille didáticos são extremamente importantes na biblioteca, né? Outra coisa que não pode faltar é a sala de recursos didáticos – com computadores adaptados para cegos, scanner, impressora Braille, kit de desenho em alto-relevo... dentre outros equipamentos importantes!!!

7-“Quais cursos universitários são 'bons' para cego fazer? E quais cursos a galera que não enxerga deveria 'passar longe'deles?”

Sabe quais cursos você deveria passar longe, meu querido estudante? Curso para piloto de avião de caça, de Piloto de fórmula-1, Auto-Escola, Moto-Escola, dentre outros que dependam EXCLUSIVAMENTE DA VISÃO!!!! Rerrerré!!!

-Mas, espera aí... para ser piloto dessas coisas aí acima, se fazem cursos livres específicos... não cursos universitários... Essa blogueira doidona pirou?” - você deve estar pensando.

Uê, leitor... se você questionou isso, é porque entendeu “o espírito da coisa” , que eu quis mostrar de forma bem-humorada, né??? Ou seja: considerando suas habilidades e limitações, você pode fazer o curso universitário que VOCÊ QUISER!!!! :-) "Bóra" estudar!!! 

8-“Sou deficiente visual, e passei no vestibular de uma universidade que está situada em uma cidade longe da que eu moro – e para a qual não dá para ficar indo e voltando todo dia. Apesar da visão comprometida, dá para eu morar longe do aconchego e proteção da mamãe, tendo independência e autonomia? Posso morar em pensionato, república ou alojamento estudantil?”

Já escrevi aqui no blog duas postagens sobre isso!!! Leia:




9-“Cego pode praticar atividade física?”
Não só pode como deve!!! Além de divertir e relaxar do stress cotidiano, ajuda a melhorar a consciência corporal, a orientação espacial e, de quebra, enxugar as gordurinhas que porventura estejam alojadas em seu corpinho!!! Rerrerré!!! Procure ver locais que ofereçam atividades físicas adaptadas para deficientes visuais. Caso você queira malhar junto com o “povão que enxerga” mesmo, converse com o professor/instrutor da academia ou clube, a fim de ele proporcionar as adaptações necessárias para você praticar a atividade com segurança.

10-“Como fazer para ver tevê, filmes, etc? Tô com saudade de ver os figurinos das artistas durante a minha novelinhaaa!!! E quando passam aquelas cenas 'mudas', nas quais só fica tocando música e eu fico 'boiando', sem saber o que tá passando nas cenas, me mata dos nervos... aaaaaffff!!!”

É, realmente isso dá um pouco de stress mesmo. Existe por aí o movimento para que a Audiodescrição (isto é , transformar as imagens em legendas sonoras) torne-se obrigatória para programas televisivos, filmes, etc. Enquanto isso não se torna realidade,vê se tem alguém aí para dar uma forcinha para você, na hora de ver tevê ou filme (principalmente se for filme que você é obrigado a assistir para trabalho de escola ou faculdade...). Caso contrário, você tem duas opções: uma é tentar se conformar com as “cenas mudas” e deixar a compreensão plena do enredo pra lá; outra é juntar com um grupo de cegos e fortalecer o Movimento pela Audiodescrição que já está rolando por aí. Existe um site bem legal, chamado “Blog da Audiodescrição”. Quer ir lendo ele, enquanto isso? Eu recomendo!!!

11-“E quanto à questão da minha aparência, em relação ao rosto, na área dos olhos? Vou ficar desfavorável do ponto de vista estético?”

Pra começo de conversa, não é toda deficiência visual que muda o aspecto de seus olhos, comparado ao tempo em que você enxergava. Depende da causa da sua cegueira. E, mesmo que altere alguma coisa na coloração do globo ocular (tal como ocorre em casos de glaucoma, retinopatia da prematuridade, dentre outros), o que é que tem? Não vejo problema! Tem muitas maneiras de contornar isso! Uma delas é usar óculos escuros (peça para alguém te ajudar a escolher um modelo bem estiloso, bem “fashion”, derrubando aquele estigma de “óculos-pra-cego”. Que tal? ) 

Outra maneira é ficar antenado em outras partes do seu corpo que podem ser valorizadas, desviando a atenção da aparência dos seus olhos. Ou seja: um corte de cabelo bem bacana; uma roupa moderna que combine com seu corpo, jeito de ser e ambiente que você frequenta; cremes para a pele; unhas feitas (para mulheres), etc... Afinal, esse negócio de valorizar certas partes do corpo para desviar a atenção de outra “que o(a) dono(a) não gosta, não se aplica só a cegos! Veja casos em que a pessoa "boa dos 'zôio' " se sente insatisfeita com altura, ou com peso, ou com traços genéticos de rosto, cor de cabelo, etc... enfim, quase todos nós, cegos ou não, frequentemente usamos desse recurso, manjô? ;-) O mesmo vale para aquelas pessoas que ficaram com visão subnormal e que se veem obrigadas a usar óculos com lentes muuuuuuito grossas e/ou de coloração pouco comum!!!

12-“Vou conseguir namorar e casar? Ter filhos...?”
Claro que pode! Ainda existe gente bacana por aí, que vai se interessar por você, independentemente de você enxergar ou não. Já vi tanto cego casado por aí, sendo pai ou mãe de família!
Evidentemente, ser pai ou mãe cego(a) vai dar um pouco mais de trabalho, em algumas situações relativas a tomar conta das crianças, de buscar na escola (por causa da questão da locomoção), de acompanhar no dever de casa... mas aí já é uma escolha que varia de pessoa para pessoa, esse negócio de ter filhos ou não. Tem muita gente por aí que topa o desafio – conta com o cônjuge, ou mais gente da família, ou babá para ajudar a cuidar... além , claro, de desenvolver estratégias pessoais para fazer certas tarefas com as crianças. Então, você pode casar e ter filhos, se assim o desejar!

13- Como faço para trabalhar? E para fazer estágio?
Quanto mais estudo e capacitação você tiver, melhor!!!! Para vagas em instituições privadas, há a questão da Lei das Cotas, que prevê uma percentagem mínima de vagas reservadas para pessoas com deficiência. Nos concursos públicos, também tem essa lei de cotas, a fim de garantir que deficientes preencham vagas.
Para estágios, também tem essa lei! E com um detalhe: segundo a lei de estágios, uma pessoa pode estagiar em uma mesma instituição por no máximo dois anos. Porém, uma pessoa com deficiência pode ter a PRORROGAÇÃO DESSE PRAZO! :-) Certinho?

Bom, essas perguntas (respondidas) acima foram as que vieram na minha cabeça...Pode ser que eu tenha esquecido de alguma, e que seja bastante “pensada” pelos recém-deficientes visuais (ou por familiares destes). Você que está lendo este post: tem alguma pergunta adicional a fazer, e que queira que seja respondida aqui no blog? Em caso positivo, MANIFESTE-SE JÁ na seção de comentários, logo abaixo! Rerrerré!!! Corre, corre, corre! Mãos ao teclado!!! :-)

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